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BRASPEN News - Comentários sobre a atualização das diretrizes americanas da ASPEN para TN

Atualizado: 4 de jul. de 2022





Elaborado por: Paulo Cesar Ribeiro

Gerente médico da EMTN do Hospital Sírio Libanês

Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB

Especialista em Nutrição Parenteral e Enteral pela BRASPEN

Mestre em Cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo


Comentários sobre a atualização das diretrizes americanas da ASPEN para Terapia Nutricional em pacientes adultos críticos


Objetivo da atualização


Atualizar as diretrizes de 2016 em relação a 5 tópicos:

1. Oferta calórica alta ou baixa?

2. Oferta proteica alta ou baixa ?

3. NP exclusiva ou NE exclusiva?

4. NP suplementar à NE ou NE isolada?

5.A Emulsão lipídica mista ou Óleo de soja puro?

5.B. Emulsões lipídicas com óleo de peixe ou sem óleo de peixe?


Período de atualização : janeiro de 2001 a julho de 2020.


36 artigos foram contemplados reunindo 20.578 pacientes críticos


A gradação de recomendações foi dada pelo sistema GRADE


Resumo das recomendações:

Tabela 1. Questões das diretrizes atualizadas, grau de evidência, recomendações e aplicabilidade clínica


















1. Oferta calórica maior ou menor?


13 estudos foram incluídos nessa análise, alguns mantendo uma oferta isonitrogenada em ambos os níveis de energia fornecido e outros não. Há uma grande heterogeneidade entre os estudos, dificultando a conclusão. Entretanto, do material avaliado se conclui que oferta calórica mais alta ou mais baixa nos primeiros 7 a 10 dias de UTI não tem impacto em nenhum desfecho escolhido. A saber: mortalidade, permanência hospitalar e na UTI, risco de bacteremia ou de infecção geral, risco de pneumonia, tempo de Ventilação mecânica.


No entanto, mesmo sem evidência de impacto em desfechos, a recomendação nesta diretriz atualizada muda consideravelmente em relação à de 2016, sugerindo uma oferta menor de calorias nos primeiros 7 a 10 dias de UTI (12 a 25kcal/kg/dia), provavelmente influenciada pelo risco de hiperalimentação e suas consequências maléficas nesse período específico de internação, primeira semana, onde há maior produção de substratos endógenos e maior uso de métodos terapêuticos que incluem calorias sem a intenção de nutrir . 1-7


2. Oferta proteica maior ou menor?


Da mesma forma não houve impacto nos desfechos assinalados segundo o paciente receba uma carga mais alta ou menos alta de proteína. Sendo assim, não houve, segundo o board motivo para mudar o que já havia sido recomendado em 2016, ou seja, uma dose de proteína de 1,2 a 2,0g/kg/dia, levando em consideração cargas proteicas mais altas em queimados, obesos e Terapia de Substituição Renal (TSR). Interessante notar que essas recomendações proteicas diferem substancialmente das feitas pela ESPEN na sua atualização publicada em 2019 8, principalmente em obesos, onde a carga proteica sugerida é de 1,3gkg/dia de Peso ajustado ou de acordo com o balanço nitrogenado.


As recomendações para oferta proteica em pacientes sob TSR também diferem muito das atuais publicadas em 2021 pela ESPEN, contemplando carga proteica nas diferentes situações de pacientes internados com Insuficiência Renal Aguda ou crônica agudizada, sob TRS continua (1,5 a 1,7g/kg/dia), intermitente (1,3 a 1,5g/kg/dia) ou ausente (1 a 1,3g/kg/dia).9


3. Nutrição enteral (NE) exclusiva é melhor do que Nutrição Parenteral (NP) exclusiva na primeira semana de internação na UTI? Levando em consideração a mesma oferta calórica em ambas as modalidades escolhidas?

Não há evidência de impacto sobre desfechos segundo se use NP ou NE exclusivas desde que a oferta calórica e proteica sejam semelhantes. Muitos estudos que advogam efeitos deletérios da NP sobre a NE exclusiva usaram doses calóricas e proteicas muito mais altas na NP.


Muitos estudos tem atestado a segurança da NP precoce e exclusiva quando comparada à NE. 10-13


Portanto, tudo nos leva a crer que o problema esteja muito mais na quantidade e na maneira como se ofertam calorias e proteínas e não no tipo de terapia nutricional (TN) escolhido.13

No entanto, devemos lembrar dos benefícios da NE relacionados à barreira epitelial, microbiota e imunidade. Estudos recentes mostram que mesmo em condições adversas, a NE consegue minimizar a perda de massa funcional intestinal.12


Acho que a resultante final de maneira pratica é usarmos precocemente a NE na quantidade que for possível, mas não desprezarmos uma arma poderosa da TN mesmo de forma precoce, desde que sigamos os mesmos preceitos atuais de aumentarmos paulatinamente e gradativamente cargas calóricas e proteicas durante os primeiros dias de internação na UTI como fazemos com a NE.


Evitar a hiperalimentação é crucial em qualquer tipo de TN escolhido. Da mesma forma é crucial levar-se em consideração as calorias não intencionalmente nutricionais e a quantidade de lípides infundidos por via endovenosa em casos de sedação com propofol, que devem ser descontados quando prescrevermos lípides na NP.


4. O uso precoce de Nutrição Parenteral Suplementar (NPS) afeta os desfechos?


A conclusão dessa atualização é de que nos 1os sete dias de internação na UTI os paciente crítico não deve receber NPS, porque a NPS nesse período não afeta positivamente os desfechos.


Aqui a razão está justamente no risco de hiperalimentação quando associamos NPS nesse momento critico onde há produção exacerbada de substratos endógenos e presença de terapias que incluem calorias sem a intenção de nutrir como sedação com propofol, soros glicosados para diluições, citrato, lactato e glicose usados em soluções na Terapia de Substituição Renal (TSR).4,7


Os estudos não contemplaram pacientes desnutridos críticos, e portanto, a conclusão não vale para essa população. No entanto, devemos lembrar que o excesso de nutrientes nesse momento frequentemente induz à Síndrome de Realimentação e ultrapassa as capacidades metabólicas do paciente desnutrido.


5.A. Qual o impacto em desfechos do uso de emulsões lipídicas mistas comparadas às emulsões com apenas óleo de soja?


Segundo a atualização, não há evidencia cientificas claras de que uma emulsão lipídica mista melhore os desfechos quando comparada à uma emulsão composta por exclusivamente óleo de soja.


Em 2012, quando as emulsões lipídicas mistas (ELM) ainda não tinham ampla disponibilidade nos EUA, a ASPEN publicou um artigo sobre sua posição quanto ao uso de ELM e Oleo de soja puro e a ideia final desse artigo é de que possivelmente as ELM seriam superiores às com óleo de soja puro, porque eram metabolizados por vias diferentes e levavam a um perfil proinflamatório menos exuberante do que o óleo de soja.


Em 2013, Emma Tillman publicou pela ASPEN uma revisão sobre o uso de EL nas lesões hepáticas causadas pelo uso prolongado de NP, e levanta a possibilidade das ELM serem alternativas melhores do que o uso de EL com gorduras exclusivas.


A partir de 2014 publicações relacionadas à ASPEN sugerem não haver evidencias cientificas fortes para o uso de ELM em relação às baseadas em óleo de soja apenas.14-16

As diretrizes do DITEN, publicadas em 2018, recomendam o uso de ELM em vez de emulsões à base de óleo de soja puro, segundo opinião de especialistas.16


As diretrizes da Sociedade Europeia de Nutrição Parenteral e Enteral, publicadas em 2019, recomendam o uso de ELM no lugar de EL à base de óleo de soja somente, com grau de recomendação zero e forte consenso entre especialistas. 8


No entanto, a literatura é de difícil interpretação em função da grande heterogeneidade dos estudos.


5.B. As emulsões lipídicas que contem óleo de peixe (ELOP) são superiores do que as que não contem óleo de peixe no tocante a desfechos clínicos?


Pelas mesmas razões expostas no item 5.A. os estudos são muito heterogêneos, com alto risco de viés, muitos exploram apenas dados bioquímicos ou laboratoriais. Há possibilidade de o uso de ELOP reduzirem a incidência de pneumonia, mas a conclusão desses estudos não é fortalecida por exemplo pelo tempo de ventilação mecânica ou permanência hospitalar que seriam teoricamente consequências de menor índice de pneumonias.

Portanto, a conclusão final, por enquanto, é que não impacta nos desfechos se usarmos emulsões lipídicas com ou sem óleo de peixe.


Referências bibliográficas


1.Braunschweig C, Sheean PM, Peterson SJ et al. Intensive Nutrition in Acute Lung Injury: A Clinical Trial (INTACT) JPEN, 2015;39:13-20)


2. Braunschweig C, Freels S, Sheean PM, et al. Role of timing and dose of energy received in patients with acute lung injury on mortality in the Intensive Nutrition in Acute Lung Injury Trial (INTACT): a post hoc analysis Am J Clin Nutr 2017;105:411–6

3. Thiessen SE, Gunst J, and Van den Berghe G . Role of glucagon in protein catabolism. Curr Opin Crit Care 2018, 24: DOI:10.1097/MCC.0000000000000509


4. Oshima T, Heidegger and Pichard C. Supplemental Parenteral Nutrition Is the Key to Prevent Energy Deficits in Critically Ill Patients. Nut Clin Pract 2016 DOI: 10.1177/0884533616651754


5. Berger M. Pantet O, Ravel NJ, et al. Supplemental Parenteral Nutrition improves immunity with unchanged carbohydrate and protein metabolism in critically ill patients: The SPN 2 randomized tracer study. Clin Nut 2018;doi.org/10.1016/j.clnu.2018.10.023



6. Mc Keever L and Braunschweig C. Feeding during phases of altered mithocondrial activity. JPEN 2018; 42: 85-63


7. Q Bousie E, van Blokland D, Lammers HJW and van Zanten ARH. Relevance of non-nutritional calories in mechanically ventilated critically ill patients. Eur J of Clin Nut(2016), 1–8


8. Singer P, Blaser AR, Berger MM et al. ESPEN guideline on clinical nutrition in the intensive care unit/ Clinical Nutrition 38 (2019) 48e79

9. Fiaccadori E , Sabatino A ,Barazzoni et al.ESPEN guideline on clinical nutrition in hospitalized patients with acute or chronic kidney disease. Clinical Nutrition https://doi.org/10.1016/j.clnu.2021.01.028


10. Harvey SE., Parrott F, David A. Harrison DA, et al. Trial of the Route of Early Nutritional Support in Critically Ill Adults.N Engl J Med 2014;371:1673-84. DOI: 10.1056/NEJMoa1409860


11. Reignier J , Boisram J, Brisard L, et al. Enteral versus parenteral early nutrition in ventilated adults with shock: a randomised, controlled, multicentre, open-label, parallel-group study (NUTRIREA-2). http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32146-3, 2017.


12. Piton G, Le Gouge ALI , Noelle Brul N et al. Impact of the route of nutrition on gut

mucosa in ventilated adults with shock: an ancillary of the NUTRIREA‑2 trial. Intensive Care Med (2019) 45:948–956 https://doi.org/10.1007/s00134-019-05649-3


13. Elke G, Arthur R. H. van Zanten ARH , Margot Lemieux M et al. Enteral versus parenteral nutrition in critically ill patients: an updated systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Critical Care (2016) 20:117 DOI 10.1186/s13054-016-1298-1



14. Vanek VW; Seidner DL ; Penny Allen P et al. A.S.P.E.N. Position Paper: Clinical Role for Alternative Intravenous Fat Emulsions. Nutrition in Clinical Practice, 2012 DOI: 10.1177/0884533612439896

15. Tillman EM. Review and Clinical Update on Parenteral Nutrition−Associated Liver Disease. NCP, 2013. DOI: 10.1177/0884533612462900



16. Castro MG, Ribeiro PC, Souza IAO, et al. Diretriz Brasileira de Terapia Nutricional no Paciente Grave BRASPEN J 2018; 33 (Supl 1):2-36






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