Tomada de Decisão da Terapia Nutricional Enteral em Pediatria
- BRASPEN
- há 2 dias
- 5 min de leitura

A terapia nutricional enteral (TNE) é uma estratégia fundamental para garantir o suporte nutricional adequado a lactentes, crianças e adolescentes que apresentam dificuldades na ingestão oral ou condições clínicas que comprometem a absorção e a utilização de nutrientes. A indicação da TNE deve ser feita de maneira criteriosa, considerando aspectos clínicos, metabólicos e nutricionais específicos da faixa etária pediátrica.
A indicação da TNE ocorre quando a alimentação por via oral não é suficiente para atender às necessidades nutricionais da criança. Essa insuficiência pode resultar de doenças neurológicas com disfagia e risco de aspiração, condições críticas, oncológicas ou cardiológicas com hipercatabolismo, patologias intestinais como síndrome do intestino curto e enterocolite, ou dificuldades alimentares graves que levam a um aporte nutricional inadequado. Além disso, a TNE também pode beneficiar crianças submetidas a procedimentos cirúrgicos ou com previsão de jejum prolongado (1).
A escolha da via de administração depende da duração prevista para a terapia e do estado clínico do paciente. Em casos de suporte temporário, geralmente inferior a quatro semanas, a sonda nasogástrica ou nasoenteral é a opção mais indicada, pois é um método menos invasivo e de fácil instalação. No entanto, quando há necessidade de suporte prolongado, recomenda-se a gastrostomia, que proporciona maior conforto e segurança, minimizando complicações como o deslocamento acidental da sonda. Em casos de refluxo gastroesofágico grave ou gastroparesia, pode ser necessária a realização de gastrostomia com fundoplicatura ou o uso de sonda gastrojejunal ou jejunostomia para reduzir o risco de aspiração e melhorar a tolerância à dieta enteral (2).
A escolha da fórmula nutricional deve ser individualizada, considerando a idade, o estado nutricional e a função digestiva e absortiva. As fórmulas ou dietas enterais poliméricas são indicadas quando o trato gastrointestinal está íntegro, enquanto as hidrolisadas são preferidas em casos de má absorção ou alergia à proteína do leite de vaca. Já as fórmulas elementares, compostas por aminoácidos livres, são reservadas para crianças com múltiplas alergias ou distúrbios intestinais graves. Além dessas opções industrializadas, a dieta enteral artesanal pode ser uma alternativa para crianças com gastrostomia, desde que bem planejada e monitorada para garantir segurança microbiológica e adequada composição nutricional (1,3).
O cálculo do volume inicial depende da meta nutricional estabelecida, que, por sua vez, está relacionada à condição clínica do paciente. Para pacientes criticamente enfermos, a meta deve ser a taxa metabólica basal, que pode ser calculada pelas equações da OMS ou de Scholfield (4,5). Em estabilidade clínica e no domicílio, utilizamos as recomendações da Dietary Reference Intake (DRI) para o cálculo (6). A infusão inicial deve começar com 25 a 50% do volume total estimado, progredindo 20mL/kg/dia, conforme a tolerância do paciente.
Em casos de desnutrição grave, deve-se ter cautela para evitar a síndrome da realimentação, realizando monitoramento rigoroso dos eletrólitos e da glicemia nos primeiros dias de suporte nutricional. A progressão da dieta enteral deve ocorrer de forma gradual, visando atingir 100% da meta nutricional em até cinco dias. Inicialmente, a dieta pode ser administrada por infusão contínua para melhor adaptação, especialmente em lactentes e crianças com intolerância digestiva. Posteriormente, a transição para bolus pode ser avaliada, conforme a tolerância individual e as necessidades clínicas do paciente (7).
O monitoramento contínuo da terapia nutricional enteral é essencial para garantir sua eficácia e evitar complicações. A avaliação clínica diária deve incluir a observação de sinais de intolerância, como vômitos, diarreia, distensão abdominal e constipação. A hidratação deve ser rigorosamente acompanhada, considerando o balanço hídrico diário. Além disso, a evolução antropométrica da criança deve ser avaliada periodicamente para garantir que as necessidades nutricionais estejam sendo atendidas adequadamente, verificando o ganho de peso e o crescimento linear (8).
O sucesso da TNE é avaliado pela recuperação ou manutenção do estado nutricional, pelo alcance das metas calórico-proteicas e pela ausência de complicações significativas. A adesão ao tratamento e a capacidade dos cuidadores de manejar a terapia de forma segura também são determinantes para a continuidade do suporte enteral.
Em suma, a terapia nutricional enteral pediátrica exige uma abordagem multidisciplinar e individualizada. O planejamento deve abranger desde a escolha da via e da dieta até a definição do volume, a estratégia de progressão e o monitoramento contínuo da tolerância e da eficácia. A nutrição enteral, quando bem conduzida, desempenha um papel crucial na recuperação e no crescimento adequado de crianças com necessidades nutricionais especiais, promovendo melhora clínica e qualidade de vida.
FLUXOGRAMA DA TOMADA DE DECISÃO NA TERAPIA NUTRICIONAL ENTERAL PEDIÁTRICA
1️) Indicação da TNE
🔹 Ingestão oral insuficiente?
🔹 Risco de aspiração, desnutrição ou necessidade de suporte prolongado?
🔹 Alteração de nível de consciência?
2️) Escolha da Via de Administração
🔹 Necessidade por até 4 semanas? → Sonda nasogástrica/nasoenteral
🔹 Necessidade prolongada? → Gastrostomia/jejunostomia
🔹 Refluxo grave ou gastroparesia? → Jejunostomia
3️) Definição da Fórmula Nutricional
🔹 Trato gastrointestinal íntegro? → Fórmula polimérica
🔹 Má absorção moderada ou APLV? → Considerar fórmula oligomérica
🔹 Distúrbios intestinais graves ou alergia exacerbada? → Considerar fórmula elementar (aminoácidos livres)
🔹 Alternativa para gastrostomia? → Dieta artesanal (sob supervisão)
4️) Cálculo do Volume Inicial e Estratégia de Progressão
🔹 Início com 25-50% do volume total estimado
🔹 Aumento gradual para atingir 100% da meta calórica em até 5 dias
🔹 Início com infusão contínua → Avaliação para transição por bolus
5️) Monitoramento e Ajustes
🔹 Sinais de intolerância? (vômitos, diarreia, distensão abdominal) → Revisar fórmula, volume e taxa de infusão
🔹 Risco de síndrome da realimentação? → Monitorar eletrólitos e glicemia
🔹 Hidratação adequada? → Ajustar volume conforme balanço hídrico
🔹 Evolução antropométrica → Ajuste nutricional conforme crescimento
6️) Avaliação do Sucesso da Terapia
🔹 Recuperação/manutenção do estado nutricional?
🔹 Metas calórico-proteicas atingidas?
🔹 Sem complicações significativas?
🔹 Adesão dos cuidadores?
Sim? → Manutenção do plano
Não? → Reavaliação da estratégia
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - Axelrod D, Kazmerski K, Iyer K. Pediatric enteral nutrition. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2006 Jan-Feb;30(1 Suppl):S21-6.
2 - Braegger C, Decsi T, Dias JA, Hartman C, Kolacek S, Koletzko B, Koletzko S, Mihatsch W, Moreno L, Puntis J, Shamir R, Szajewska H, Turck D, van Goudoever J; ESPGHAN Committee on Nutrition. Practical approach to paediatric enteral nutrition: a comment by the ESPGHAN committee on nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2010 Jul;51(1):110-22.
3 - Gallagher K, Flint A, Mouzaki M, Carpenter A, Haliburton B, Bannister L, Norgrove H, Hoffman L, Mack D, Stintzi A, Marcon M. Blenderized enteral nutrition diet study: feasibility, clinical, and microbiome outcomes of providing blenderized feeds through a gastric tube in a medically complex pediatric population. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2018 Aug;42(6):1046-60.
4- World Health Organization. Energy and protein requirements: report of a joint FAO/WHO/UNU expert consultation. Geneva: World Health Organization; 1985. (WHO Technical Report Series, no. 724).5- Schofield WN. Predicting basal metabolic rate, new standards and review of previous work. Hum Nutr Clin Nutr. 1985;39(Suppl 1):5–42.
5- Schofield WN. Predicting basal metabolic rate, new standards and review of previous work. Hum Nutr Clin Nutr. 1985;39(Suppl 1):5–42
6- National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine. Dietary reference intakes for energy. Washington (DC): National Academies Press; 2023.
7 - Oliveira FLC, Leite HP, Sami ROS, Palma D. Manual de terapia nutricional pediátrica. 1ª ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2013.
8- Corkins MR, Griggs KC, Groh-Wargo S, Han-Markey TL, Helms RA, Muir LV, Szeszycki EE; Task Force on Standards for Nutrition Support: Pediatric Hospitalized Patients; American Society for Parenteral and Enteral Nutrition Board of Directors; American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. Standards for nutrition support: pediatric hospitalized patients. Nutr Clin Pract. 2013 Apr;28(2):263-76.